10 de janeiro de 2012

Plano pra dois mil trinta e oito e dose

A violência está por todos os lados

em casa
escola
facul
busão
ambulância
camburão
na favela
na prisão
jornal
televisão

me apavora
desespera
me revolta

vou fazer alguma coisa
vou me armar
vou reagir
vou silenciar
vou apagar
punir
prender
matar
destruir
por um fim

Em toda a violência
que há dentro de mim

8 de janeiro de 2012

O Ladrão II

— UM LIXO ESSE COMENTÁRIO. PARE DE ASSISTIR TV À CABO CAVALHEIRO


— Um esquerdista hipócrita ofendido. Vc devia pelo menos se identificar. Eu sou aberto ao debate, mas não a ofensas infundadas. Afinal, se a TV à cabo tem algo a ver com a história acima vc não deve ter lido direito. Com tanta gente honesta por aí, que dá o coro por um salário mínimo, eu não devo me revoltar com isso? Lógico que não é o fim do mundo, mas sim, achei o conto ridículo e achei o papo sobre amizade com ladrões ridículo, pois é inverossímil.


— Eu faço essa aula com o ceschin de quarta-feira, primeiro horário. Chamo-me José Eduardo, perdão pelo anonimato. Mas, que diferença faz colocar ou não o meu nome. Seu comentário continuará sendo ridículo e tão profundo quanto um pires. E o que isso tem a ver com esquerda? A esquerda neste país, nunca existiu, sempre foi coisa de revoltadinhos de classe média que tomavam todos os dias o nescau preparado pela mamãe. Não gostaria jamais de debater contigo, pois você e sua "geração lady-gaga" não tem nenhum conteudo que não seja repetição de gestos da tv, da internet, enfim, de hollywood. E, bom seria se soubesses, a "honestidade" é um argumento antes de tudo, calvinista, que serve somente para legitimar o poder "não honesto" das classes dominantes. É a moral burguesa,(sem clichês esquerdistas). Mas acredito enfim, que tu não sejas classe dominante, e portanto, que seja um "honesto". Portanto, é verossimil que tu não engulas o conto do Drumond (que voce, afinal transformou hollywoodianamente, em teu conto moralizante)e que também não engulas o furto da tua lanterna. Justo. Mas o que voce engole de bom grado é justamente os "ILUSTRES BANDIDOS" que voce financia com os altos impostos que você certamente paga. Isto, voce engole. Seria bom você reler o conto sem a ótica de hollywood e dos fast foods. Pra terminar, quero que saibas que me senti terrivelmente ofendido por tu teres referido-se a mim como esquerdista. Mas como tu também me chamaste de hipócrita, deixo para lá a ofensa e agradeço o sagaz reconhecimento. Afinal, estou sendo hipócrita comigo mesmo, pois estou dando muita atenção e importância, a um comentário tão pobre de espírito como o seu. Exorcise-se um pouco desse seu mundinho vazio e de reprodução de falas e gestos. Leia Guy Debord.


— Revoltadinho de classe média é o que alguém tão educado me parece, mas ok. Vou aceitar que você não faça o perfil aparente, evitar te julgar como você arrogantemente fez comigo. Não fundamentou sua crítica. Guardo para depois a sujestão de leitura. A questão é que sou roubado todos os dias e ainda tenho que aguentar alguém que diz que o culpado de um roubo é quem deixa a janela aberta. Não aprovo a imoralidade da classe dominante, o cu não tem a ver com as calças, mas justificar imoralidade por imoralidade é sim hipocrisia, "cavalheiro". E o senhor deveria ter um pouco mais de respeito e enxergar sua própria ignorância, maior ou igual a minha.


Começo a achar q ninguém mais lê esse blog, mas insisto nele. O diálogo descrito acima foi resultado de um comentário educado feito sobre uma postagem chamada "O Ladrão", que republico.

Sócrates foi provavelmente o mais incrível pensador que já existiu. Ele foi o gênio da época decadente da Grécia clássica. O maior gênio por ser capaz de perceber que o ser humano nada conhece a não ser a techne, a arte, que seria um conhecimento específico e limitado; e a maior sabedoria realmente seria conhecer a própria ignorância. Enxergo a nossa era atual como a decadência do mundo como tem sido e começo a achar q precisamos recuperar o conhecimento da condição humana de completa ignorância.
Realmente detesto gente que acha que manja das coisas. Gente que acha que existe discurso sem moral ou sem ideologia. Não gosto de gente hipócrita, preconceituosa e folgada.
Eu sei só que não sei e desconfiando da palavra de artistas filhos de fazendeiros como foi Carlos Drummond de Andrade, discordando eventualmente mesmo de professores, procuro fazer o que seres petulantes e bitolados como meu eventual visitante e todas as pessoas deveriam fazer. Pensar por mim mesmo e assim elaborar a minha ideia do que pode nesse mundo ser considerado verdade. Não acho que vale a pena acreditar piamente em qualquer religião e metafísica. Prefiro pensar no que vale a pena acreditar sobre a vida, se vale a pena acreditar em minha própria existência até.

Galera. Desconfiem de José Eduardo, Guy Debord, Osvaldo Ceschin, Lulalá, rede Globo, de vocês mesmos e até de mim.

O Ladrão

Num dia naqueles em que todos resmungam do frio, acho que o mais frio do ano, fui para a faculdade, após o trabalho, como sempre de bicicleta, na janta encontrei uma amiga com um cachecol enrolado sobre os olhos, com dores de cabeça e fotofobia. Ao chegar às escadarias onde costumo prender a bicicleta um outro ciclista veio me perguntar se era tranquilo deixar alí. Eu disse que sim, disse apenas para ele tirar o velocímetro, porque já roubaram o meu, mas de resto de boa.

Depois do furto sem sentido, por ter sido o furto de apenas a parte de cima, facilmente retirável, que sem o resto não passa de um relógio que atrasa constantemente, decidi não comprar outro velocímetro, que havia sumido pela segunda vez, os dois me custando uns 40 reais. Na hora olhei para o meu guidão, onde só tinha o resto, encaixe, fio e imãs. Do lado tinha a minha lanterna de sinalização, com três funções e pilha fraca, importante para garantir que os carros não me fechem duante a noite, me custou 30 reais, o equivalente a umas 7 horas e quarenta e dois minutos de trabalho, já que neste emprego eu recebo 700 reais por 30 horas semanais o que dá mais ou menos 3,90 por hora. Uma vez quis prevenir de levarem a lanterna, deixei cair no chão de um metro de altura e ela quebrou. Não tiro mais.

Fui para as aulas. Na segunda o Profº Oswaldo Ceschin analizou um conto de Drummond, "O Ladrão". Minhas palavras não substituem a obra, procurem-na, mas basicamente o enredo trata-se de um narrador que fala de uma amiga, que percebe ter sido roubada. Os objetos tinham valor afetivo (e também um valor monetário que foi diminuido pelo narrador, já que alguns eram de ouro e/ou pérolas cultivadas). Diz-se que a personagem não tinha o "horror capitalista ao ladrão", diferente de um vizinho que tenta até caçar ele com arma de fogo. Cosme e Damião, que eram policiais cariocas famosos da década de 60, identificam e trazem o suspeito (com pedido da "amiga" de não o machucarem), ela dá uma de amiga também com o Curió, apelido do personagem que é descrito como pequeno, simpático. Chama ele pra sentar, bate papo, o faz confessar o crime. Ela assume também ter culpa, depois de acusada por ele de o por em tentação, deixando a janela aberta na época do carnaval (com certeza um dia quente). No final ele devolve parte dos pertences, porque alguma coisa tinha vendido e um brinco tinha dado à namorada, eles ficam definitivamente amigos, o vizinho se revolta e se muda.
O professor conclui que o conto é uma bonita história sobre um relacionamento afetivo.
A aula acaba, me troco, vou lá fora, saio e quando me toco sumiu minha lanterna frontal de sinalização.

Nada de "horror capitalista ao ladrão", mas nem tudo dá pra engolir.
Drummond não é mais meu herói.